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Maravilhas de Leste

Posted on: Maio 2nd, 2009 by mm No Comments

Finalmente demos com o carneiro vegetal da tartária, em versão moderna- mais feto e menos carneiro-, mas não menos estrambólico, no ninho que lhe foi prontificado em recinto museológico .

Encontra-se numa velha igreja medieval, actualmente transformada em museu londrino de jardinagem, agregada ‘as velhas propriedades de Lambeth, antigos subúrbios nas margens do Tamisa, de história ainda mais atribulada que a do bom do nosso carneiro da Cítia.

Da primitiva igreja medieval, dedicada ‘a Virgem Maria, inscrita na propriedade de Goda, irmã de Carlos o Confessor, pouco mais resta que a cripta e as lendas que este espécime também evoca.

Foi aqui que Erasmo se deslocou para apresentar a tradução de Euripedes e até Thomas More era vizita habitual destas paragens, antes de cair em desgraça.
No entanto, o pendor laico levou a melhor, transformando o local em palco das mais ferozes perseguições aos católicos. Tomada pelas forcas do Parlamento, a velha igreja foi usada como fatídico presídio, acabando por ser ocupada pelo exército, durante a Guerra Civil.

Mais tarde, o velho palácio de Lambeth e sua velha igreja medieva acabam por se libertar destas sinistras memórias, dando origem a um notável gabinete de curiosidades – o Tradescants Ark– onde se deslocava a elite londrina e viajantes, vindos de toda a parte, para observarem as mais exóticas preciosidades.

Na famosa colecção chegaram a juntar-se as luvas de Henqique VII, ao lado dos estribos do cavalo de Henrique VIII; um casaco de chefe índio da Virgínia; diversos instrumentos e batuques africanos, a par de ovos gigantes; conchas nunca vistas; ossos e restos de animais fabulosos, bem como espécies botânicas vindas das mais remotas paragens, entre as quais havia lugar para o nosso carneirinho de casta carne.

Tendo por fundo o velho ambão medieval, de madeira esculpida e pintada, o famoso barometz vive agora numa nave da igreja, dentro de redoma de vidro, na companhia de alguns míticos gnomos circundantes.
Por razoes que nos ultrapassam, os botânicos e guias do Chelsea Physic Garden , onde ainda se encontram canteiros da autoria do grande John Parkinson, a quem se deve a científica catalogação do espécime entre uma variante de fetos, ignoram olimpicamente este “arranjo” pouco ortodoxo de Lambeth.

Alheias a estas dicotomias entre ciencias e fábula, é com visível orgulho que as beneméritas good old ladies que a’i trabalham (variante de velhinhas, mais próxima das beguinas, que das outras típicas drunked old ladies da velha Albion) o indicam aos visitantes, enquanto vão embrulhando os “souvenirs“.
Estas maravilhas de viagens, agora arrumadas em museu, fecham também o ciclo do tempo em que os ocidentais ainda se deslocavam a estranhas paragens de leste ou de Oriente, ‘a procura de mundos fabulosos.

Podemos sorrir pela ingenuidade com que se deixaram iludir por estas fantasias, durante tantos séculos, mas, o certo ‘e que a própria a fantasia era entendida como uma realidade mais forte – a do espaço maravilhoso.

Estávamos precisamente a jantar uns saborosos petiscos, acompanhados de molho tártaro, quando um dos presentes recordou relatos recentes de jovens mocinhas vindas de leste, ao engano de outras fábulas que a libra também promete. Muitas chegam a trabalhar sete dias na semana, em limpezas citadinas mas, ao fim do dia,’e apenas a rua que as acolhe, já que o salário não chega para pagar o aluguer de um quarto.
Sem que se estranhe a sua presença, confundem-se com outros sem-abrigo, não fora o facto de logo bem cedo, pela manha, enrolarem o saco-cama para irem para o emprego.
Estas sao as modernas patranhas que provocam deslocações em sentido inverso, vendidas pelos novos negreiros e silenciosamente acatadas por todos, como consequência natural do progresso.

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